segunda-feira, 30 de junho de 2008

Quase todas as tardes, um pouco antes do Sol fugir para os lados do Mussulo, lá estava o Kota Kapipita, no quintal da sua casa, no Kazenga, rodeado de muitos pioneiros (crianças), a contar os momentos mais marcantes da História de Angola, mas o que mais o animava, era afastar aquelas crianças do crime, da prostituição e da droga. Ao princípio, eram só meia dúzia deles, que se agarravam às palavras do Kota. Eram miúdos que não deixavam de ir à escola, eram os que ainda iam tendo família. Mas de repente, começaram a aparecer muitos mais. Passavam palavra, mesmo os mais bandidos deixavam muitas vezes de ir ao crime, para escutar este nosso mais velho. Tinha outros, que marcavam presença, mas não ouviam quase nada, era a droga que lhes dava cabo. São crianças de rua, que vagueiam com toda a liberdade por Luanda, apanhando todos os vícios que uma cidade lhes pode proporcionar. São essencialmente produto da guerra, apesar de algumas terem ido para a rua a fim de ajudar a família. As idades variavam entre os oito e os dezasseis anos. Vivem debaixo dos prédios, nos largos do Kinaxixe e da Mutamba, dormem nos buracos de areia feitos nas praias da Ilha, nos quintais das casas degradadas, nos parques públicos, nos passeios da cidade. Circulam de lugar para lugar, nunca têm poiso certo. Há aqueles que dormem, trabalham, roubam e morrem, nos mercados do Roque Santeiro, Tunga Nhó, Asa Branca e outros. Ali fazem a sua vida. As suas necessidades são feitas onde calha, lavam-se junto dos canos rebentados ou nos charcos de água estagnada das chuvas.
Levantam-se cedo, aqueles que trabalham em alguma coisa, ajudam a transportar as compras das senhoras nos prédios e descem com o lixo para os contentores. Lavam os carros dos moradores. Com o dinheiro que ganham, comem alguma coisa, mas muitos gastam na droga. Preferem ir nos contentores, procurar restos de comida. Muitos deles viram bandidos, alguns até bem perigosos. O ambiente que os rodeia é o lixo, os buracos, os becos sem luz eléctrica, a fome, a prostituição e as doenças sexualmente transmissiveis.Não há vagas nas escolas, nem emprego que lhes garantam o sustento. Como é que querem que estas crianças sejam o futuro da Nação?

sexta-feira, 27 de junho de 2008

As primeiras eleições gerais no nosso país, em 1992,trouxeram o multipartidarismo, uma oposição legalizada, às claras, jornais e rádios privados, falando de tudo e todos com um grande à vontade. Ás vezes, os do poder, não entendem o que é a liberdade, felizmente, não são todos, são a excepção para confirmar a regra. No entanto, nas províncias, realmente, a palavra liberdade ainda não consta nos compêndios da maioria dos nguvulus(governadores) lá do sítio.
Tem-se cometido erros, mas quem não erra, até dizem que errar é humano. Mas, aqui para nós, em kaxexe, sem que ninguém nos ouça, a verdade é que temos errado bwé. Também, a oposição que estamos com ela, entra na Assembleia, muda, e sai calada, a sua maior preocupação são os seus salários e a marca dos carros, para já não falar dos subsídios chorudos que recebem. Para que haja mudança é preciso debate de ideias, campanhas a favor da resolução dos problemas do Povo, de quem tanto falam e não fazem nada. O fosso entre ricos e pobres é cada vez maior no mundo, então em Angola, o buraco é tão grande, "que nem me fales", dizia o meu parente de Malanje, "vai de Cabinda ao Cunene".

A culpa é das árvores

De repente comecei a topar com homens trepados sobre as árvores de Luanda (na Maianga, no Maculusso, na Ingombota, por toda a parte) a amputar-lhes os generosos galhos que do sol inclemente nos salvavam durante o verão passado. Achei estranho. Por que tamanha brutalidade?

- É próprio mesmo desta época seca. Cortam-lhes os galhos porque começam a cair as folhas e as ruas ficam muito sujas - explicou-me um amigo angolano.

Cabe a pergunta: seria o caso então de também podar os braços aos porcalhões que enfeitam as ruas com toda a sorte de sujidades e restos de embalagens importadas do primeiro mundo?

Culpar as árvores, era só o que faltava.

Angola a Branco e Preto


Velha Muximba do Iona - a tribu muximba próxima parente dos vacuvale pertence também ao grupo herero. Vivem em pleno deserto uma vida nómada, sempre em busca de água e pasto para umas escassas cabeças de gado que possuem.

Como já anteriormente tinha referido, ao ser convidada para escrever nesta casa, pensei muitas vezes que não teria imaginação para escrever em dois blogues, que apesar de muito diferentes na linha editorial, quando o tema é Angola ficariam parecidos. Depois pensei, que tal eu procurar na minha biblioteca, nas minhas memórias, no meu baú, poemas, artigos, estórias, música, gravuras e quadros que possam dar a conhecer a todos que visitam esta casa um pouco mais do meu País.

Este é um desenho de Neves e Sousa, que "scaniei" do livro Angola a Branco e Preto e deixo aqui o pedaço final da Carta Aberta a Neves e Sousa escrita por Jorge Amado e publicada no inicio do livro:

"... Agora você me escreve para contar a razão verdadeira do adiamento da viagem:est´preparando um livro, com 100 desenhos de Angola, uma visão da terra e do homem, da vida e do mistério, ao modo, diz você, das Sete Portas da Bahia, de Carybé. Bem, se é assim há uma razão válida alhe desculpar e logo informo os amigos do motivo justo e passamos a esperar o livro com ansiedade. Creio que você vai fazer algo definitivo e extremamente valioso no sentido do conhecimento de Angola e aqui estamos nós muitíssimos interessados. Como vocÊ sabe, nós baianos somos angolenses ou angolanos, de uma ou de outra forma o somos, comemos comidas de Angola, usamos termos de Angola, veneramos sntos de Angola nos candomblés angola, nossa luta e baile da capoeira é angolana, e temos o samba de Angola, sem falar no sangue que nos corre nas veias, sangue negro de Angola, do melhor. Somos também, é bem verdade, nagôs e gêges, congos e malês, índios, portugueses, árabes, judeus, e agora incorporamos japoneses, sem falar nos italianos, húngaros, alemães, polacos e eslavos variados, misturamos tudo para sermos esses mestiços porretas que somos...
JORGE AMADO "

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Fui convidado para colaborar como co-autor neste blogue e devo apenas falar do meu país. Tenho tanta coisa para contar, coisas más, miséria, fome, doenças, pouco ou nada de saúde, educação é o que se vê. Prostituição infantil, tráfico de orgãos, droga e alcool. Trânsito, falta de água e luz. Museke, lixo é bwé, cidade do asfalto não fica atrás. Coisas boas, povo generoso, gosta de receber bem, generoso até demais. Próximas eleições, coisas boas, será? Expatriado está com medo, angolano rico também. Pobre tem que aguentar, "é a minha sina já", diz ele, com esperança que tudo venha a melhorar. Promessas e mais promessas, bicho político é assim, promete para não perder a cadeira do poder, depois vira alzheimeroso, tudo esquece, o povo que se lixe, nem todos podem ser ricos, isso é que era bom, socialismo já era, ou melhor já foi, igualdade só no céu, mas isso não sei, pois ainda não morri, para saber, disse o João Domingos, criado (empregado) de um branco, cooperante da Teixeira Duarte, que diz não ter nada a ver com isso, está ali para cooperar e política não é com ele.

Quem conduz, sempre paga

Já se falou por aqui que a polícia angolana não brinca em serviço. Quer dizer, serviço, não é propiamente o melhor termo. Se eu pudesse, dizia “não brinca em assalto” mas, como não posso, não digo. Agrada-me particularmente a ideia de ter passado despercebida durante estes meses todos de condução. Chego a pensar se, os meus cabelos loiros e olhos claros andam a ser confundidos por uma pele cor de café e olhos cor de chocolate. Sim, é verdade. Contra todas as expectativas nunca fui mandada parar para me identificar ao senhor agente. Pelo menos não enquanto condutora. Sinto-me a verdadeira agulha no palheiro. Porém, o meu mais-que-tudo deve ter gravado na testa: estes-kwanzas-que-tenho-na-carteira-estão-disponíveis-para-distribuir-aos-senhores-queridos-polícias. E claro, os polícias, que são tipos simpáticos, fazem o favor de lhe tirar os kwanzas da carteira. Uma das últimas vezes a história foi assim:

M.(Pisca para a esquerda)
Polícia (Encostado numa das esquinas do cruzamento, manda-o parar)
Segue-se o normal (carta de condução, passaporte, documentos do carro)
Polícia – Não pode virar à esquerda
M. – Não posso? Porquê? Não tem nenhum sinal a probir.
Polícia – Está a duvidar da autoridade? Não pode porque sou eu que faço os sinais.
M. – O quê???
Polícia – Não pode virar à esquerda porque eu digo que não pode e, pode perguntar a quem quiser que vão confirmar-lhe.
M. sai do carro e caminha com o simpático até ao cruzamento e verifica que o sinal indica “cruzamento”. Depois de uns largos minutos a tentar chamar o simpático à razão, o M. desiste e diz:
M. - Pronto, vamos lá resolver a questão. Posso pagar-lhe um lanche?
Polícia (de olhos arregalados) – Um lanche de quanto?

A história teve final feliz para os lados do polícia que comeu um “lanche” de cerca de 25 dólares. No final, pergunta ao M., como se já fosse grande amigalhaço:

Polícia – é arquitecto?
M. – Sou (não é nada)
Polícia – Eu vi logo. Os arquitectos costumam ter o carro cheio de papelada espalhada.
Conclusão: o homem-ladrão (cof, cof) perdão, o homem-polícia teria mais vocação para analisar comportamentos e tentar adivinhar profissões. Ah, mas talvez não desse tanto dinheiro...

A Grande Família Angolana - Os sapatos de Ricardo Lobo

Ricardo Lobo é dançarino animado, conhecido por toda a malta das grandes festas de Luanda (como convidado ou como pato, tanto faz). Mas naquele casamento, não estava a sentir-se bem. Doíam-lhe bué os pés.

- Apá, não sei o que se passa. A esta altura não estou mais em idades de me crescerem os pés – comentava com a esposa, sem entender por que os sapatos finos que guardava para ocasiões de gala estavam a lhe apertar tanto.

E assim passou a noite triste, dançando pouco, o aperto a incomodar tanto que chegou ao ponto de partir cedo para casa. Logo ele, sempre o último a sair.

Algum tempo se passou até que Ricardo Lobo fosse convidado a outro casamento. Quando foi calçar os sapatos, lembrou-se do infortúnio. Resolveu investigar.

Deu com com um par de meias usadas, como a morarem escondidinhas dentro dos sapatos, esquecidas de umas bodas antigas regadas a muito uísque.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Democracia com as próprias mãos

Eu não vi, mas há quem jure que aconteceu, no dia 4 de fevereiro deste ano, data em que se comemora o Início da Luta Armada pela Independência de Angola.

O presidente José Eduardo dos Santos foi ao Memorial erguido no Cazenga, como habitualmente faz todos os anos na data. No caminho havia uma estrada nova, construída pelo governo provincial de Luanda com verbas do governo central.

Acontece que a tal estrada não estava lá tudo isso. E por essas e outras, a população da região estava revoltada com o governador provincial, Job Pedro Capapinha.

Como governador aqui ainda não é eleito pelo voto – é indicado -, a população decidiu fazer democracia com as próprias mãos. Quando a comitiva do governador chegava ao Memorial, foi recebida por uma chuva de pedras.

A comitiva do presidente, que vinha logo atrás, ficou parada mais de 40 minutos até que a polícia dispersasse os “eleitores”.

Depois dessa, o presidente decidiu ouvir a voz das “urnas”. Exonerou Capapinha.

Não quero nem ver no que dá se o Brasil aprende a usar a “cédula” de pedra...

Casa de Luanda abre suas portas

Conforme eu havia prometido no último aniversário , eis a novidade do mês de junho: a Casa de Luanda está abrindo as suas portas para cinco novos moradores.

Eles foram convidados por suas relações estreitas com Angola e também pelas afinidades com nossa morada, que freqüentam como leitores desde o início. São eles:

Fernando Baião - Escritor angolano, hoje vive na ponte aérea entre Portugal, Angola e Brasil.
Kianda - Angolana, autora de O Silêncio da Kianda, também é angolana a viver em Portugal.
Migas - Portuguesa, luandense por adoção, é autora do Migas com Gindungo (agora, ninguém mais passa fome nesta casa!).
Flávia - É médica, brasileira, trabalha numa clínica privada em Luanda e vive na ponte aérea entre Rio e Luanda.
Zezé - Luandense da gema, é uma dessas angolanas com uma deliciosa grande família.

Sejam todos bem-vindos.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

O medo das urnas

Kianda comentou, a respeito do post anterior:

“O povo ainda não acredita, passado 6 anos, que a paz é efectiva... foram muitos anos em guerra e por vezes, de certeza, ainda parece que a paz não chegou !!!”

Por ruas e gabinetes de Luanda cresce um temor discreto, irracional, como se setembro este ano estivesse a vir grávido de maus agouros.

Se pergunta a qualquer pessoa, todos respondem de pronto que a paz está para ficar, não há hipótese da guerra voltar. Mas estarão todos tão seguros disso?

  • As Nações Unidas avaliam a possibilidade de elevar o nível de alerta do país para seus funcionários.
  • Uma petrolífera americana está a incentivar os familiares de seus funcionários a voltarem para casa em setembro.
  • Uma outra petrolífera incentiva os funcionários considerados não essenciais a tirarem férias no mesmo mês.
  • Duas grandes empreiteiras brasileiras já fretaram aviões para fins de agosto. Querem tirar o máximo de funcionários e seus familiares do país.
  • Uma consultoria brasileira que trabalha diretamente para o governo deu férias coletivas de duas semanas no início de setembro.

Parece que o Aeroporto 4 de Fevereiro vai ser o lugar mais movimentado de Luanda a partir de 20 de agosto.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Recado das Urnas

A pergunta é direta: se pudesse enviar um recado aos políticos que concorrerão na eleição de setembro, o que você diria?



Ingrácia Domingos, 47 anos (de camiseta preta, na foto), fica em silêncio. Ela tem sete filhos (Inês, a outra moça da foto é uma delas), mora numa casa humilde em Cacuaco, cidade distante cerca de 20 km de Luanda.

- Assim o senhor perguntando é difícil de dizer.

Não é tão difícil assim, Ingrácia. Difícil foi ter perdido o primeiro filho, que hoje teria 27 anos, para as febres do paludismo. Difícil foi ter visto a filha Vivia, de 7 anos, contorcendo-se das dores e diarréias do cólera que quase a levou também, ainda mesmo no ano passado.

- É que o senhor sabe, eu não vou encontrar nenhum deles pra poder dizer nada.

De certo que não, Ingrácia. A chance de um deles aparecer na sua casa é a mesma de chegar a água encanada e tratada para acabar com as cinco viagens que você faz, todos os dias, para comprar bacias de 20 litros a dois quilômetros de sua casa. Idas e voltas, noves fora, são 20 quilômetros de caminhada todos os dias com 20 litros de água na cabeça.

- Se encontrasse um deles? Não saberia o que pedir.

Então você não tem água em casa, seus filhos adoecem por falta de saneamento, as caçulas estão fora da escola por falta de vaga e você não tem nada para pedir, Ingrácia?

- Já que o senhor insiste, eu pediria apenas para terem paciência, que é para aquela guerra não voltar. Porque quando ela voltou, em 1992, foi muito triste e mais gente morreu nas províncias. Só pediria isso a eles, para nunca mais voltar aquela guerra.

Paz. É só o que o povo pede.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Aula de condução para brasileiros

Se você é brasileiro e quer dirigir em Luanda, já começo mesmo mal. Aqui você vai conduzir, não dirigir. E para conduzir em Luanda é preciso aprender algumas regras que não fazem parte dos manuais. Vamos aos exemplos:
  • O fato de não haver placa dizendo que algo é proibido não significa que seja permitido. Exemplo clássico: você vem conduzindo numa rua de duas mãos. Quer entrar numa travessa à sua esquerda. Não há placa nenhuma dizendo que você não pode entrar à esquerda. Você liga o pisca, entra e a polícia manda parar. Porque essa conversão pode ser proibida, mesmo sem ter placa. Na dúvida, faça a volta na quadra. Pode lhe custar meia hora, mas sai mais barato que a multa (ou que a gasosa).
  • Você foi parado e começa a argumentar com o indivíduo de quepe e luvas brancas: “Pô seo guarda, eu não sabia....” Começou mal. Bem mal mesmo. Guarda, aqui em Luanda, são aqueles seguranças que passam o dia a dormir na cadeira na frente das casas. O cidadão que vai pará-lo é um chefe de trânsito, ou simplesmente trânsito. Pode chamá-lo de “seo” trânsito, mas nunca de guarda. Eles não gostam nada de ser confundidos com os dorminhocos dos portões.
  • Se você pegar um congestionamento daqueles, não chegue ao trabalho dizendo que o trânsito estava mal, ou que tinha muito trânsito na cidade. Vão achar que você caiu num comando da polícia e um policial muito chato o parou e o segurou por horas conferindo os documentos. Como acabou de ser explicado, trânsito é o guarda. Aqui, o que fica mal mesmo é o tráfego.

Por hoje é só. Outro dia eu dou umas dicas de mecânica, com direito a jantes e tudo...

quarta-feira, 11 de junho de 2008

A Grande Família Angolana – O Casamento de Ricardo Lobo

Luzia, a filha mais velha de tia Justina, casou-se no início dos anos 80 com Ricardo Lobo. Foi uma festa animada que deixou saudades.

- Eu era tão conhecido como pato em Luanda que todos os patos que foram ao meu casamento, assim que me viam, encostavam para perguntar discretamente: “Quem é o noivo?” Eu dizia: sou eu! – diverte-se Ricardo que, obviamente, não expulso nenhum intruso. - Ética de pato, sabe como é...

Luzia é quem recorda a melhor de todas as histórias da festa.

- Um dos convidados, como era mesmo o nome dele? Ele trabalhava na rádio... Pois bem, no meio da festa ele saiu. Precisava ir à rádio para ver se tudo corria bem, sabem como é o trabalho, ele tinha suas responsabilidades. Deixou a mulher preocupada na festa, coitadinho, trabalhava tanto o rapaz.

- Quando ele voltou, duas horas depois, chegou todo prosa, feliz da vida – continua Ricardo Lobo. - Tirou o fato, todo relaxado, a esposa olhou pra ele e perguntou: “Por que a sua camisola está do avesso?” O gajo tinha saído da festa para ir ter com a amante. Na pressa de voltar, vestiu a camisola ao contrário e nem percebeu!

Todos em volta da mesa caem na gargalhada.

- Mas a mulher foi de uma classe, impecável. Não deu uma palavra na festa. Apenas disse: “Vamos embora para casa”. Os dois separaram-se naquele mesmo dia e nunca mais reataram.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Aniversário em branco

Esta Casa fez três meses no domingo. Mas como estávamos a mudar de casa de novo (agora estamos na quinta desde que chegamos aqui), faltou tempo para maiores comemorações.

Mas aguardem. Em breve, teremos novidades.

Receita para uma tragédia

Ingredientes:
- Desastres climáticos (secas e inundações);
- Restrições às exportações de cereais;
- Aumento do preço do petróleo;
- Subsídios para a produção de biocombustíveis;
- Demanda em alta em economias emergentes.

Modo de fazer:
Espalhe alguns desastres climáticos em regiões estratégicas de produção de grãos e cereais no mundo.

Misture restrições às exportações adotadas por países produtores, preocupados com seus estoques internos.

Acrescente demanda por comida em países de acelerado crescimento econômico. Na China, o consumo de leite triplicou desde 1980; o de carne per capita pulou de 44 libras (1980) para 110 libras em 2007. Isso representa mais grãos desviados para alimentar rebanhos em lugar de alimentar seres humanos.

Aqueça o forno com subsídios para a produção de biocombustíveis. Graças aos incentivos do governo americano, 24% do milho produzido por lá em 2007 virou etanol. E a produção mundial desse combustível pulou de 1 bilhão de barris em 2000 para mais de 15 bilhões no passado.

Como fermento, use o aumento do preço do petróleo, que influencia os custos das fazendas. O óleo é produto-chave na produção de fertilizantes.

Tempo de preparo:
Em dois anos, o índice global de preço de alimentos pulou de 117 (em 2005) para 220 em março deste ano. Esse índice mede mensalmente a mudança de preços no mercado internacional da maioria dos alimentos.

Na prática, significa que desde maio de 2007 a carne subiu 12%, os cereais subiram 89% em média, os preços de óleos e gorduras subiram 77% e o açúcar ficou 40% mais caro.

Segundo um relatório do Banco Mundial divulgado em março, os preços dos alimentos só devem começar a cair em 2010, e ainda assim, dificilmente voltarão a patamares inferiores aos de 2004.

Mas quem se preocupa mesmo com isso?

Fontes: United Nations Food and Agriculture Organization (FAO), Word Bank, Time Magazine (vol. 171, No 20, 19/05/2008)

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Efeito Dorotéia

Então eu passei quase três meses derretendo nas ruas de Luanda e achando que minha vida ia melhorar quando eu tivesse um carro. Em apenas uma semana na companhia de Dorotéia, já estou querendo voltar a andar a pé. Isso porque:
  1. O trânsito é muito ruim - mas muito mesmo - e esta semana eu cheguei atrasado ao trabalho pela primeira vez desde que moro em Luanda. Andando eu chegava mais rápido.
  2. Os motoristas em geral , não importa nacionalidade, são muito egoístas. Ninguém nunca dá passagem; todos tentam se enfiar nos lugares mais improváveis para cortar a frente dos outros.
  3. Estacionar próximo ao local em que você precisa ir é quase como ganhar a noite toda na roleta de um cassino em Las Vegas. Pode até acontecer, mas é muito improvável. E quando você volta ao carro, claro, alguém parou em fila dupla fechando a sua saída.
  4. A sinalização das ruas não é clara e uma das maneiras mais fáceis de ser parado pela polícia é entrar à esquerda numa rua comum onde, em tese, não seria permitido fazer a conversão. Para evitar isso, tento sempre fazer a volta na quadra, o que, por causa do trânsito, pode significar mais 40 minutos parado.

Diante de todos os fatos, muitas vezes me pego atrás do volante como todos os outros: impaciente, buzinando, sem dar passagem aos outros.

O problema é que, agora, já me apeguei a Dorotéia.

Grande Dicionário Angolano

Faz algum tempo que parei de postar textos exclusivos sobre o dicionário, mas ele continuou crescendo. Com os termos que apareciam nos comentários, principalmente nos do Fernando Baião. Já temos 196 palavras.

Vou acrescentar dois, que descobri esses dias, mas que acredito fazerem parte também do português falado em Portugal.

Acento esdrúxulo - A crase brasileira.
Vírgulas altas - No Brasil, muito conhecidas como aspas.

Agora faltam apenas duas palavras para completarmos 200. Alguém se habilita?

terça-feira, 3 de junho de 2008

A quarta casa...

Em menos de três de meses. Ainda mais temporária, só por alguns dias, até que nos mudemos para a quinta moradia, que também será temporária, no sábado.

É difícil explicar, porque eu também não conseguiria imaginar os efeitos de tanta provisoriedade quando vivia confortavelmente ao lado do Redentor na Casa da Lagoa.

Mas é mais ou menos assim. O cacimbo chegou para valer agora e todas as minhas roupas de frio estão numa mala que ficou na segunda casa - era grande demais para o espaço que tínhamos na terceira.

A quarta casa nos recebeu de coração aberto, mas não tem edredom extra - que já compramos, mas que ficou numa casa onde nunca moramos, mas que abriga outra parte de nossas bagagens.

Até a Dorô, recém-chegada à família, já abriga parte da bagagem e dorme com uma mesa nas entranhas – que ainda não encontramos onde deixar.

Parece engraçado, mas eu garanto pra vocês que cansa um bocado.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A Grande Família Angolana - Projeto Kalunga

No final dos anos 70, início dos 80, um grupo de músicos brasileiros aportou em Luanda para participar de uma série de shows denominada Projeto Kalunga. Vieram Gilberto Gil, Chico Buarque, Martinho da Villa, Djavan, Alcione, entre outros.

A família de tia Justina estava lá, acompanhando de perto.

- O Chico Buarque veio com a Marieta Severo. Eles foram para Benguela e foi lá que ele fez aquela música “Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela, será que ela mexe o chocalho ou chocalho é que mexe com ela...” – cantarola Ricardo Lobo.

- O Chico queria ficar dançando com as moças, com a mulher ali do lado. Eu hein? Nem bonito ele era... – comenta Natália.

O Chico Buarque não era bonito? Ah se as brasileiras ouvem isso, Natália...

- Não era mesmo. Muito esquisito ele.

Tia Justina lembra a melhor história de todas.

- No jantar com autoridades, o Martinho da Villa já tinha tomado uns copos e de repente começou a dizer: “Ele está aqui entre nós, ele está aqui...” Um dos ministros perguntou: “Camarada, quem é que está aqui?” E o Martinho: “Agostinho Neto! Ele está aqui!” O gajo achava que tinha recebido o santo do Agostinho Neto.

E todos dão gargalhadas antes de partir para a próxima história.