segunda-feira, 31 de março de 2008

Coisas que...

...ainda me fazem falta em Luanda:

  • Uma boa livraria, com variedade de títulos e espaços confortáveis para folhear livros.
  • Uma boa praça com sombras, onde eu possa gastar tempo sossegado entre um compromisso e outro na rua.
  • Um cinema. (O de Luanda Sul não vale, porque fica muito longe).

...já encontrei por aqui:

  • Uma pastelaria simpática, não muito cara, com um café decente e variedade de pães fresquinhos (na rua Cônego Manoel das Neves, no Cruzeiro).
  • Uma pizzaria bem agradável, com chope bem tirado, graças à nossa fiel leitora (e agora amiga) Flávia (O Padrinho, na Joaquim Capango, na Sagrada Família).
  • Um restaurante a quilo brasileiro, com comida e preços bem decentes (Panela de Barro, na Maianga).

Dicionário Angolano - De A a D

Acento esdrúxulo - Crase.
Aiué - Manifestação de dor.
Alcatrão – O asfalto das estradas.
Agrafador - Grampeador.
Aka - Credo, chiça.
Arca – Freezer horizontal.
Atribuído – Usado no sentido de aprovado, concedido. Quando você solicita um visto e ele é aprovado, por exemplo, dizem que ele foi atribuído.
Auá! - Caramba.
Auto-carro - Ônibus.
Avilo - Amigo (ver também dikamba).

Baçula - Derrubar o adversário, típico luandense.
Balas - Bonitas.
Baleizão - Gelado, sorvete.
Banda - Bairro, lugar perto da moradia.
Barona - Mulher.
Batuque - Designação genérica das danças africanas
Bazar - Fugir.
Bazaruka - Charro.
Bebucho – Gordo.
Bemba - Feitiço.
Berma – A beira das estradas, no Brasil é chamado de acostamento.
Bilingui - Mentiras, trapaças.
Biricoca - Cerveja.
Bisnar - Roubar, mentir.
Bisne - Coisa.
Bisnei - De bisnar, mentir.
Bisno - Negócio clandestino, roubo.
Bitola – Também usado para cerveja.
Bikini – Cueca.
Boda - Festa.
Boiado – Bêbado.
Bookar - Estudar.
Boléia - Carona.
Bongololô - Aquele que vive abusivamente em casa de outrem, muito em moda em Luanda.
Buamados - Espantados.
Bué -Muito.
Bufa - Peido.
Bulir - Trabalho
Bumbo, grunho - Negro (depreciativo).
Bumbar – Trabalhar.

Cabaz - Cesta básica (cabaz básico) ou de Natal (cabaz de Natal).
Cabrité/frangalhada – Churrascos na rua (cabrito e frango).
Cacimba - Cisterna
Cacimbo - Inverno.
Cacimbado - Diz-se da pessoa que enlouqueceu.
Caenche - Musculoso.
Carrinha - Camionete.
Calão - Gíria.
Candengue - Novato.
Capinar - Arrancar o capim (a erva, relva)
Censurar - Revisar.
Chave - Abridor de garrafas, também pode ser chamado de saca-rolhas, mesmo quando abre tampinhas.
Chibado - Bêbado (ver também grosso).
Chuimga - Chiclete.
Chumbo - Tiro.
Chupar - Beber.
Coiso - Palavra curinga, serve para qualquer coisa, pessoa e muitas vezes até como verbo. Veja um bom exemplo de utilização neste post.
Comando - Controle remoto.
Comida fofa – Bolo ou pão, com leite.
Conduzir - Dirigir.
Constrangimento – É usado no sentido de problema. Por exemplo, se você morar em Luanda Sul e tiver de trabalhar no centro, vais enfrentar muito constrangimento com o tráfego.
Cretcheu - Querida
Cu - Bunda.
Cúbico - Casa, quarto.
Cuiar/bala - Tudo bem. Exemplo de uso: Como é, tás fixe? Ya, to a cuiar, to bala.

Dama/mboa – Mulher/esposa, namorada.
Dar uma Kapa - Fintar o adversário.
Deitar fora - Jogar fora.
Deu caldo - Morreu.
Descaída – Descida, ladeira.
Desconseguir – Não conseguir
Diamba - Também chamado Liamba, é a cannabis sativa, conhecida no Brasil por maconha. Fumada ou inalada pode dar alucinações. Os velhos africanos fumam muito a diamba, com propósitos medicinais.
Diambeiro -Fumador de Diamba, o mesmo que liambista.
Diarra - Diarréia
Diloba - Diarréia.
Dipanda - Independência.
Direito – Seguir em frente. Ao conduzir, se você disser para um angolano vá diréto, ele entra a direita.
Doce de Natas - Pastel de Belém.
Dzumba Malaica - Mau hálito, também conhecido como kibuzu

(Total, 79 palavras)

Dicionário Angolano - De E a L

Escutador - Telefone com fio.
Estamos Juntos - Cumprimento usado pelos angolanos, principalmente a partir de 1975, quando o país se torna independente e sofre ataques de outras nações africanas que financiaram a guerra civil.
Estreito – Magro, esbelto.
Extensão - Ramal.

Farofa - Farinha de mandioca, sal, azeite doce, vinagre e cebola picada tudo preparado a frio.
Farfalhar - Namorar mais atrevidamente.
Fatigar – Canseira. Exemplo: "Tás a me fatigar".
Fatigado – Avariado, quando designado para máquinas. Exemplo: Essa geladeira tá fatigada, a pá.
Fazer banga - Ostentar marcas.
Fiche - Legal. Usa-se "Estás fiche?" para perguntar "Tudo bem?".
Filho da Caixa - Filho da mãe, insulto suave, soft, como dizem os caméricas.
Fita de colar – Durex, que aqui é uma marca de camisinha. Cuidado quando pedirem a alguém.
Fobado – Com fome.
Fotocópia - Xerox.
Funji - Massa cozida, conhecida por fubá de mandioca "bombó" ou de milho "kindele".

Galar - Namorar, ver se a dama dá atenção.
Galo - Vejo.
Galão - Copo de café com leite.
Galinha do mato - Galinhola
Garina - Rapariga
Gasosa - Refrigerante.
Geleira - Geladeira.
Gelado - Sorvete.
Ginga - Bicicleta.
Giro - O mesmo que Fiche. Também pode ser usado no sentido de passear, dar um giro.
Grosso - Bêbado (ver também Chibado).

Iá - Sim

Jiboiar – Descansar (dormir) após o almoço.
Jingindu - Tranças.
Jinguba - Amedoin.
Jindungo ou Jindungu - Picante, fruto do jindungueiro. Deriva de seu nome o verbo ajindugar, que significa condimentar com jindungu. O jindungu pode ser de dois tipos:Kahombo ou kaleketa. O Kahombo, arredondado, é bastante saboroso. O Kaleketa, alongado, é bastante picante. "Jindungu no rabo do outro, é refresco" costuma dizer o povo, quando está zangado.

Kakusu - Peixe de rio muito apreciado,também existe no mar, mas não é tão gostoso.
Kalundus - Espíritos
Kalunga - Tudo o que se refere à água, divindade do mar.
Kamundongo - Natural de Luanda, também se diz Kaluanda
Kandandu - Um abraço.
Kandonga - Negócio ilegal. Acabou, por uso, sendo designado para os lotações, os famosos azulzinhos.
Kandongueiro - A pessoa que gerencia a Kandonga. Também, por uso, virou sinônimo de táxi, lotação.
Kafundado - Injustiçado, preterido.
Kangar - Prender
Kanvanza - Discussão
Kangundu - Branco. Também se usa Pula ou Mindele.
Kapurroto - Vinho adulterado(pode matar).
Kaxexe - Segredo.
Katá - Desculpas esfarrapadas, mentiras.
Katé Mungu - Até amanhã.
Kazucuta - Dança, mas também, não gostar de trabalhar, confusão.
Kazucuteiro - Preguiçoso.
Kayaya - Fiche, porreiro. Diz-se "do kayaya".
Ketas - Músicas.
Kianda - Sereia em quimbundo, no singular. No plural, torna-se Ianda.
Kibiona - Apalpadela numa mulher, geralmente no rabo (bunda)
Kibucas - Prostitutas.
Kicuto - Fato, terno.
Kinga - Espera.
Kifufutila - Torrada e descascada a jinguba, junta-se farinha de mandioca, o açúcar e a canela., pisando-se tudo num pilão. Peneira-se tornando a pisar a parte grossa.
Kilape - Fiado, empréstimo.
Kilapeiro - Caloteiro, pessoa que sempre pede dinheiro emprestado.
Kilharam - Lixaram.
Kionga - Prisão.
Kinda - Espécie de cesta.
Kissonde - Formiga avermelhada de picada dolorosa.
Kitaba - Pasta de Jinguba
Kixiquila - Empréstimo informal, entre amigos. Espécie de cooperativa.
Kota - Forma respeitosa de chamar os mais velhos.
Kuata - Agarra.
Kubata - Alhota, residência, domicílio.
Kumbu - Dinheiro.
Kwata-Kwata - Era o nome dado para as guerras entre os principados do reino do Congo antes da colonização portuguesa. Virou expressão de uso corrente e quando um angolano quer mandar o cachorro atacar alguém, por exemplo, diz ao cão: "kwata-kwata".

Lapiseira, esferográfica - Caneta.
Lapiseira - Porta-minas.
Liamba - Também chamada diamba, é a cannabis sativa, conhecida no Brasil por maconha. Fumada ou inalada pode dar alucinações. Os velhos africanos fumam muito a diamba, com propósitos medicinais.
Lwandu - Esteira, serve de cama.

(total 73)

Dicionário Angolano - De M a Z

Mbaia - Ultrapassagem na rodovia.
Machimbombo - Autocarro, onibus
Maka – Problema.
Makunde - Feijão-frade.
Malembe - Devagar.
Malaiki - Esperto, atento, também pode ser invejoso.
Malta – Galera.
Mambo – Objeto, alguma coisa.
Marimbondo - Formiga grande e feroz. Segundo a leitora Patyfendes, é um inseto voador, que fica nas árvores e ferra mais que abelha.
Mata-bicho – O pequeno-almoço português, nosso popular café da manhã. Com o uso, virou verbo. Ninguém está a lhe oferecer um inseticida se lhe pergunta: “Já mata-bichastes hoje?” Provavelmente vai convidá-lo para o café da manhã.
Mataku - Rabo, cu.
Mato - Sertão.
Matubas - Testículos.
Matuji, tuji - Merda
Matumbos - Burros.
Mauindo, bitacaia - Pulgas nos pés
Mboa/Dama – Mulher/esposa, namorada.
Monandengue - Miúdo, garoto.
Motorizada - Motocicleta.
Muata - Chefe.
Mujimbu - Boato.
Múkua - Fruto do imbondeiro, faz-se um sumo, bem fresco e com qualidades laxativas.
Mulumba - Marreca
Mundele - Branco.
Mungu - Até amanhá.
Muringue - Bilha de água, conserva a água fresquinha.
Museke - Terreno arenoso, bairro. E como bem alertou o leitor Fernando Baião, é O museke, ou musseque (grafia portuguesa) e não A musseque.
Muxima - Coração .
Mwata - Grande Chefe, serve para designar todos os chefes, tribais ou não. Como em Angola "Chefe" tem sempre muitas mulheres, a designação de marido de toda a gente não destoa. Em Luanda, começou a usar-se o termo, para os ministros e outros que têm o poder.

Não tem kigila - Não há problema.
Nas Calmas - Tudo bem.
Ngombiri - Mulherengo, expressão muito usada por todos em Luanda.
Nguvulu - Governador.

Onda - Feitiço.

Paiar - Aldabrar, tramar, pode até querer dizer matar.
Paludismo - Malária
Panina/paneleiro – Homossessual.
Pankê - Comida.
Parte-os-cornos – Camisa de mangas cavas.
Partir – Quebrar. Usa-se inclusive para estradas danificadas pelas chuvas. "A estrada está partida". Aqui, quando alguém diz "A ponte que partiu", refere-se literalmente a uma ponte destruída pelas chuvas.
Partir o Braço - Pedir dinheiro, também usado como roubar em alguns contextos.
Passadeira - Faixa de Pedestres.
Pastelaria - Padaria.
Pato - Penetra de festa, o famoso bico.
Peão - Pedestre.
Prego no prato - Bife a cavalo.
Prego no pão - Churrasquinho, sanduíche de bife.
Pica - Em português de Angola, é injeção, vacina, ou qualquer tipo de exame que exija o uso de agulhas. Quando você suspeita que contraiu malária, por exemplo, toma a pica. E ainda paga cerca de 8 dólares para isso numa boa clínica privada.
Picar - Reprovar nos exames escolares.
Pitar - Comer.
Pita Bwé - Come muito.
Pong - Estilo, charme, poster.
Porreiro – Legal. Exemplo: "Esse gajo é bem porreiro".
Pula - Branco.
Puto – O mesmo que miúdo, garoto, menino.

Quentex - Bebida forte

Raias - Óculos de Sol.
Rancheira - Prostituta, (não é muito usual).
Rapina - Assalto, roubo violento.
Romper – Também serve para quebrar, estragar. Quando alguém bate no seu carro, por exemplo, dizem que lhe romperam a viatura.
Rotunda - Rotatória.
Ruca - Carro.

Sakidila – Obrigado
Salo – O trabalho.
Sande - Sanduíche.
Santinho - Saúde
Semba - Dança angolana
Sítio – Lugar.
Soba - Autoridade suprema de um domínio africano. Régulo.
Sukuama - Ai, pôças, pópilas, com os demónios!
Sumo – Suco.
Sungura - Dança de origem zimbabweana, que o angolano grama(gosta) dançar.
Sussa - Mijar.

Tá a bater – Tudo bem (resposta à pergunta "tudo bem?"; tá a bater significa que, se o coração bate é porque está tudo bem).
Tambula conta - Cuidado.
Telemóvel - Celular.
Terminal – Número do telemóvel.
Tráfego - Congestionamento de veículos.
Tranco - Fazer amor.
Trânsito - Policial da Polícia de Trânsito.
Trapa - Veste
Tropa - Exército. Eles dizem "fazer a tropa" para o que chamamos "servir ao exército" no Brasil.
Trungungueiro - Sôfrega, aquele que já tem e quer mais.
Tunda - Fora, rua.
Turrum - Moto.

Um valor - Mulher linda.
Uaué - Acudam, socorro.

Viatura – Qualquer tipo de carro.
Vírgulas altas - Aspas.

Xamavu - Vem do kimbundu "ixi ya mavu" terra de barro vermelho, nome também dado antigamente ao mercado de S.Paulo, por estar situado em terra de barro vermelha.
Xaxu (Manda Xaxu) - Papo furado.
Xé - Psst, tu, você, olá.
Xinguilar - Ficando maluco.
Xuxa - Mama.

Walalá - Gritamos, quando o jogador faz uma grande finta num jogo.

Zungueria - Ambulante.

(Total 97 termos)

domingo, 30 de março de 2008

Casa Nova


Ainda é provisório, mas desde sexta estamos numa casa nova. Deixamos para trás a hospitalidade dos amigos que nos receberam nos primeiros 20 dias e mudamo-nos para um quarto alugado no apartamento de um outro casal de estrangeiros.

Nosso quarto agora é grande, tem um guarda-fatos (o que significa que minhas roupas finalmente puderam se libertar da mochila) e temos um banheiro só para nós. O prédio também é uma raridade. É bem velho, mas as escadas são limpas e um dos elevadores funciona quando tem energia.

Como nem tudo pode ser perfeito, na manhã de sábado descobrimos que o banheiro, além de exclusivo, vem com piscina. Um vazamento misterioso, que os donos não conseguem descobrir de qual andar vem. Em outras palavras, não tem solução. O lado bom é que ele aparece esporadicamente e depois passa semanas sem vazar de novo.

A vista da janela, pelo menos, é bem bonita.

Ficamos por aqui por alguns meses, mas até agosto temos que nos mudar porque o apartamento vai mudar de dono. Até lá, esperamos encontrar nossa Casa de Luanda definitiva.

Despedida da Musseque

Como despedida da travessa da Saudade (que descobrimos outro dia que oficialmente se chama "Pezinhos na água"), uma galeria de fotos da vizinhança:

A rua de casa:


A mulherada na porta (o salão de beleza da rua...):

O mercado da esquina:


Nossos vizinhos do lado esquerdo (Nanda e Teddy) brincando,



estudando,


e posando pra foto!

Crianças da rua brincando de carrinho...

e de carrão...

Divertindo-se com a câmera!

Pra fugir do calor, bacia vira piscina...
...e quintal vira quarto!

Da janela do quarto, o mar de telhados de zinco...

E varais de roupa!

E finalmente, pra compensar, a vista do terraço!

Coragem, paciência. E persistência!

Na minha primeira reunião de trabalho, uma colega me deu o conselho que eu voltaria a ouvir da boca de muitos neste primeiro mês de Luanda: “Coragem e paciência!” De cara preocupei-me com a segunda parte... Confesso que esta nunca foi uma das minhas virtudes! Mas enfim, cheguei disposta a exercitá-la. Item obrigatório para quem vai trabalhar em um país cheio de problemas estruturais, traumatizado pela guerra e com um calor que não dá trégua!

Depois de quase um mês exercitando essa habilidade, chego à conclusão de que, em muitos casos, pedir paciência é a forma que os angolanos encontraram de impor seu ritmo pra lá de lento aos estrangeiros que chegam impondo velocidade. Sabe aquela coisa de não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje? Pois aqui o ditado é ao revés!

Os angolanos pedem paciência por não cumprirem o combinado, por te deixarem esperando horas sem dar nenhuma satisfação, por não fazerem o trabalho direito, por terem a burocracia mais enrolada que já vi no mundo. E se falta luz toda semana, paciência... Se faltam livros e professores nas escolas, paciência... Se faltam hospitais, paciência... Se o guarda é corrupto, paciência!

O problema é que, ao fazer da paciência uma panacéia, questões urgentes não são resolvidas nunca. Isso num país onde as questões urgentes são tão fartas quanto o petróleo... Por isso é que todas as grandes empresas daqui preferem contratar mão-de-obra estrangeira... Em algumas construtoras brasileiras, até o operador do trator é trazido de fora!

Pois minha dica a quem chega em Luanda seria: Traga muita paciência sim. Mas não abuse na dose! Quanto ao conselho da colega, mudaria só algumas letras... Acho “Coragem e persistência” uma combinação mais esperta, ou pelo menos mais responsável...

É verdade que persistir pode ser mais doloroso que esperar. E pode ser também mais custoso (meus créditos do celular vão embora como água, de tanto que ligo cobrando os outros!). Alguns colegas de trabalho me olham de lado, porque dou mais trabalho a eles. Outros simplesmente não entendem o porquê da pressa. Mas alguns (ainda que poucos) se mexem, empenham-se e resolvem! Ufa!

Minha esperança é que, pelo exemplo, essas exceções se multipliquem. E que os angolanos percebam que é muito mais prazeroso descruzar os braços e colher os frutos do trabalho bem realizado.

Do lado de lá... e de cá




Esta foto roubada discretamente na rua onde trabalho simboliza bem a desigualdade deste país de que F. falou no post abaixo...

Do lado de lá, um prédio ocupado, paredes quase despencando, residência ou local de trabalho de boa parte dos luandenses. Do lado de cá, uma loja de roupas importadas, com vitrines luxuosas, que só a elite montada em Toyotas pode vestir.

Entre os dois mundos, um segurança sonolento, garantindo que os que vivem do lado de lá não atravessem para o de cá.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Pobre país rico

A maior montadora japonesa, a Toyota, exportou no ano passado 2.878.662 carros para o mundo todo. Isso a colocou em segundo lugar no ranking dos exportadores mundiais, atrás apenas da General Motors. Adivinhe qual país é o maior comprador de carros da Toyota? Angola.

Por causa de fatos como esse, o Japão considera Angola um país rico. E o governo japonês teria inclusive anunciado o fechamento de linhas de financiamento a fundo perdido para cá. Os países europeus também já estariam revendo suas doações.

Angola produz 2 milhões de barris de petróleo por dia - em 2006 arrecadou mais de 30 bilhões de dólares com exportações do óleo - e a taxa de crescimento projetada para este ano é de 27,2%. A renda per capita é de quase 3 mil dólares e os investimentos estrangeiros estão estimados em 20 bilhõesde dólares em 2008.

É riqueza que não acaba mais, mas que também não chega à mesa de 70% da população. Esses cerca de 11,4 milhões de angolanos excluídos da farra do petróleo continuam vivendo abaixo da linha da pobreza. O que mantém este rico país em 162º lugar na lista de 177 países classificados pelo Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD.

terça-feira, 25 de março de 2008

O leite de cada dia

Andando por Luanda lembro-me sempre da transformação que as mulheres que conheço sofrem na maternidade. Os cuidados com que cercam os bebês, as precauções para evitar a exposição a bactérias e vírus nas primeiras semanas de vida, o ritual da amamentação, com o sofrimento das dores no peito.

Tudo isso me volta à lembrança porque, a todo momento, encontro mulheres angolanas amamentando seus bebês nas condições mais impróprias. Elas os amamentam nas calçadas cheias de lixo, com o esgoto correndo ao lado, enquanto fazem tranças nos cabelos umas das outras, vendendo mercadorias em bacias encardidas. E não param para observar o bebê mamando. Movimentam-se com o filho grudado ao peito como se tivessem um pacote no colo.

Nunca vi nenhuma delas limpando o bico do seio antes de enfiá-lo na boca do inocente. Vão logo tirando da camiseta, totalmente suadas com o calor infernal desta cidade. Fazer a criatura arrotar, então, nem pensar.

Talvez seja um comportamento cultural, coisa de quem tem um filho atrás do outro. Talvez seja apenas falta de tempo. Bem ou mal, o filho já está se alimentando; elas, na maioria dos casos, ainda precisam batalhar a refeição daquele dia.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Quer morar em Angola?

Desde o início deste blog, vários amigos escreveram manifestando interesse em mudar para cá. Não se trata de desencorajar ninguém, mas é preciso saber onde se vai desembarcar as esperanças.

Luanda é a cidade mais cara do mundo. Exemplos? Um apartamento de dois quartos podre não sai por menos de 2 mil dólares. Se estiver bem arranjado, 4 mil dólares ao mês. Sem mobília e se for num prédio decadente. Os novos são raríssimos e, quando existem, estão fora da realidade.

Hoje fui ver um quarto-sala-cozinha-americana num edifício recém-construído. O dono quer 10 mil dólares ao mês de aluguel. E ainda tens de pagar um ano adiantado. Parece loucura e é. Mas é o mercado imobiliário de Luanda.

Portanto, não se iludam: quem lhe oferece o emprego em Angola tem de lhe garantir a casa.

Além disso, o caos urbano é uma realidade concreta. Imaginem a Saara (cariocas) ou a 25 de Março (paulistas) no dia 20 de dezembro, na hora do almoço, com o calor de 32 graus. Agora esburaquem as calçadas, encham o passeio de lixo e o ar de poeira. Esse é o dia-a-dia de 70% das ruas e avenidas de Luanda.

Por isso, quem lhe oferece o emprego, tem de lhe garantir, além da casa, o transporte.

Eu sei que você deve estar pensando: “ele está exagerando”. Eu também pensava isso quando lia blogs e comunidades do Orkut antes de me mudar para cá.

domingo, 23 de março de 2008

Rendição


Luanda gruda-me à pele com seu calor úmido, entra-me corpo adentro com seus sons, odores e paladares. Oferece-se em magníficos pores-do-sol todos os fins de tarde, de nuvens rosadas contra o azul-claro do céu, de mar dourado como as promessas dos melhores sonhos românticos. Exibe orgulhosa o farolete da Lua cheia a iluminar a baía de águas calmas e o céu profundo de África. E assim vai aos poucos se insinuando, conquistando, seduzindo quem, ao primeiro olhar, só enxergou sujeiras e feiúras e maldades. Rendo-me. Tu és bela, admito. Impossível não gostar de ti, mesmo com todos os teus defeitos. Mas entendas, pequena Luanda, que ainda vou levar muito tempo, se que é esse dia chega, para chamar-te de minha.

sábado, 22 de março de 2008

Tranças de Luanda

Antes de sair do Brasil, procurei uma transportadora para enviar alguns itens pessoais.

– É cabelo ou mercadoria normal? - perguntou o agente.
– Como assim? - espantei-me.
– É que o preço é diferente. E como é muito comum exportarem cabelo pra lá...

Só agora, chegando a Luanda, entendi a conversa non-sense. Vende-se cabelo (de verdade e sintético) em todo canto, dos supermercados aos camelôs. E é este um dos grandes sonhos de consumo da mulher angolana.

Paga-se um dólar e meio pela cabeleira nacional da marca Maria (a mais popular). Depois é só escolher uma das cabeleireiras de rua, que cobram outros dez dólares para fazer o penteado (que dura um mês), amarrando e trançando o cabelo comprado no cabelo original. Só aqui, na Travessa da Vaidade, tem umas três, uma delas bem na frente da nossa porta (enchendo de chumaços de cabelo a soleira da porta!).

As clientes são de todas as idades. De jovens vaidosas com suas longas tranças a miúdas (crianças) com suas trancinhas enfeitadas por fivelinhas coloridas. Dizem que a tradição é antiga, mas antes era feita com o cabelo de verdade. A arte das tranças é hoje um patrimônio da mulher africana. Em homenagem a elas, fizemos nosso primeiro vídeo aqui em Luanda:




If you want to see an english version of this film, click here

quinta-feira, 20 de março de 2008

Negócios da China

Os chineses invadiram a capital angolana com suas empreiteiras que ganham licitações de obras públicas. É comum vê-los próximos aos canteiros, acocorados ao lado das valetas, vestindo macacões cinza e usando chapéus de palha de largas abas na cabeça.

Quando fecham contratos grandes com o governo angolano, as empreiteiras de Mao trazem navios cheios de máquinas e trabalhadores. Todos os tratores, escavadeiras, caminhões vêm direto da China. Os operadores dos equipamentos e parte dos operários, também.

Para resolver o problema de moradia, os trabalhadores vivem nos próprios navios em que viajam. Para o transporte na cidade, pau-de-arara. É comum ver pequenos caminhões repletos de chineses na carroceria no fim do dia. A maioria não fala uma palavra de português, nem de inglês, sem nenhum movimento a favor de trocas culturais. E assim, graças a estes quase escravos, a China vai fazendo de Angola mais um canteiro do seu silencioso imperialismo da pechincha.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Tem muita poeira nas ruas de Luanda?


Este sapato saiu zero quilômetro do Brasil. Embora não pareça, ele é marron escuro. Ficou assim depois de dois dias passeando pelas ruas da capital.

terça-feira, 18 de março de 2008

Português de Angola

Ah pá, então cá em Angola se fala a mesma língua que no Brasil, só que a estructura é um bocadito mais parecidinha com a dos portugueses e o sotaque é mais cantado, e mais anasalado, e muitos ang’lanos falam mais devagar, como se estivessem a sofrer de paludismo, ah pá.

Mas não têm nada não, estás a perceber? É só o jeito mesmo de falar, mais devagar mesmo, que é o natural do ang’lano. E quando vem o brasileiro que chega dizendo “tudo bem?”, eles respondem “Muito obrigado”, porque acham que o pula está a lhes desejar tudo de bom, estás a perceber? Muito fiche esses brasileiros, ah pá.

Iá, iá o ang’lano gosta muito dos brasileiros, mesmo sendo pulas. Está sempre a ver as novelas do Brasil, a torcer por um time de cá, outro do Brasil. Muito bué mesmo.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Estamos comemorando

Finalmente, depois de cinco dias, hoje tivemos energia para movimentar a bomba de água. Voltamos a tomar banho de chuveiro!

Nem só de defeitos...

Do jeito que o blog vai, parece que Luanda só tem defeitos irreparáveis. Não é verdade. Já nos beneficiamos de pelo menos uma grande qualidade: a solidariedade das mulheres luandenses.

No sábado, quando precisamos pedir informações no transporte para chegar a um bairro distante, duas delas foram além das explicações. Nos levaram até a porta do local que procurávamos, desviando inclusive de seus caminhos. Apenas por simpatia, sem pedir nenhuma recompensa. Quantos de nós faríamos o mesmo por dois estranhos?

O Show de Truman

À distância, as centenas de prédios de quatro andares, todos bonitinhos, cercados por vastos gramados, lembram a paz dos subúrbios norte-americanos. Dá até para imaginar crianças felizes pedalando bicicletas nas ruas bem pavimentadas. Os prédios exibem portas de vidro na entrada, sem porteiros. As escadas são limpas e claras. Quatro apartamentos por andar, com três quartos, todos bem distribuídos e funcionais.

Depois do “Apocalipse Now” na Praça dos Congoleses, hoje fomos conhecer o “Show de Truman” do Projeto Nova Vida, uma área ao sul de Luanda onde o governo e as empreiteiras edificam, há anos, uma imensa cidade-dormitório.

Nasceu como um projeto de moradia para militares, mas já abriga gente de todas as profissões. Muitos brasileiros fogem para lá em busca de um mínimo de similaridade com os padrões de moradia a que estavam acostumados.

A ilusão de paz e tranqüilidade, porém, é barrada pelos grossos portões de ferro que protegem as portas dos apartamentos. Janelas e varandas também são gradeadas. Como nas prisões. Porque o condomínio não é murado, nem possui guaritas de controle de acesso.

Na área de serviço, a esperança de conforto se afoga nos tonéis de plástico usados para armazenar água – afinal, o abastecimento também é precário ali, como na cidade.

E o sonho de mundo perfeito acaba definitivamente quando o olhar do candidato a Truman bate contra o paredão de lixo no horizonte, a menos de um quilômetro. O projeto Nova Vida é vizinho do maior aterro sanitário de Luanda. Tem muito mais pernilongo e, portanto, maior incidência de malária.

Como está distante cerca de 20 quilômetros e todos que lá moram trabalham na cidade, as estradas ficam entupidas todos os dias nos horários de rush. E os moradores levam cerca de duas horas para chegar ao trabalho, e mais duas para voltar de casa.

Ou seja, a Nova Vida vem com todos os velhos problemas angolanos.

sábado, 15 de março de 2008

Apocalipse Now

O sol descia acelerado no horizonte e tingia tudo de laranja. Mas o que pulava na janela do candongueiro apressado ia muito longe de uma paisagem bucólica. Borradas pela poeira vermelha, ruas de terra tentavam engolir as camadas de lixo que as cobriam; córregos de águas paradas e esverdeadas de esgoto empestavam o ar com seus ácidos azedos; edifícios destruídos pelo excesso de gente e falta de união escondiam qualquer horizonte; milhares de pessoas circulando, vendendo, comprando, vivendo, sobrevivendo. E a brincar em meio a todo esse caos, crianças descalças e remelentas, o futuro de Angola, de barrigas inchadas de vermes.

O “Apocalipse Now” africano, como observou a P. Bem ali, na Praça dos Congoleses, a cerca de dez quilômetros dos arranha-céus moderníssimos que estão a subir na Baixa de Luanda. Um mundo que jamais se diria pertencer a um país tão rico em petróleo e diamantes.

A quem achava que Luanda era uma das piores cidades do mundo para se viver, a Praça dos Congoleses veio lembrar que o poço nunca tem fundo.

Globosat – cena 1: nossa amiga Débora

Pegamos um dos carros compartilhados que percorrem a Ilha de Luanda. Junto de nós entram duas meninas dos cabelos trançadinhos e uniforme da escola primária. Cheias de risadinhas e cochichos por estarem andando com dois pulas (como eles chamam os gringos como nós):
-São brasileiros?
-Somos sim.
-São amigos da Débora?
-Hmmm... Que Débora?
-A Débora, brasileira...
Tentamos lembrar o nome de todos os brasileiros que já conhecemos por aqui. Mas não, não há nenhuma Débora.
-Ela mora aqui na ilha?, perguntamos.
-Não... Ela mora no Rio de Janeiro. Eu vi na televisão, na novela.
A ficha cai mais rápido para o F., noveleiro:
-Ah, já sei... Ela teve um filho, não?
-Isso... Na Duas Caras. Estou a ver novela, estou a ver videoshow...
-Bem, morávamos na mesma cidade. Mas a Débora (Falabella), anda pouco pela rua. É muito famosa. Também só a vemos pela TV...

Globosat – cena 2: nosso amigo Zeca



Entramos no jipe das N.U. e o motorista me lembra de checar se a porta está travada:
-É que há gatunos que aproveitam o congestionamento para roubarem as pessoas dentro dos carros.
-E isso é comum por aqui?
-Sim, cada vez mais comum. A Globo mostrou aqueles gajos em São Paulo roubando bolsas dentro dos carros, pois não demora a começarem a fazer o mesmo por aqui. Tudo o eles mostram vira logo moda em Luanda.

Em Angola, domina a cultura do importado. Os carros são japoneses, os enlatados são europeus; os plásticos, chineses. E os cabelos (sim! Isso mesmo!), brasileiros. O porto é um dos mais movimentados do continente, e os navios chegam a esperar dias na fila para atracar. Mas a grande importação chega mesmo pelas parabólicas. E a Rede Globo é, sem dúvida, o exportador número 1 de tendências. Do mundo imaginário das novelas à vida real dos noticiários. Atenção Zeca, Bonner & Cia: olha que responsabilidade!

UNITA x MPLA


As bandeiras da UNITA e do MPLA, respectivamente: união, por enquanto, só mesmo nesta imagem

No último dia 9 um confronto aberto entre partidários do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e da UNITA (União Nacional para Independência Total de Angola) deixou três mortos e seis feridos em Mungo, na província de Huambo. É o capítulo mais recente de uma história de ódio entre as duas forças políticas que mergulharam o país na guerra civil durante 27 anos.

A guerra acabou em 2002, mas a proximidade das eleições parlamentares, marcadas para setembro, deixa todos preocupados. Afinal, foi assim que o primeiro acordo de paz foi quebrado, em 1992.

MPLA e UNITA estão, para os angolanos, como Grêmio e Internacional, para os gaúchos, Flamengo e Vasco para os cariocas, Corinthians e Palmeiras para os paulistas. Não se misturam e não se toleram até hoje. Com o agravante de que resolvem as diferenças à bala.

Não sei se as pessoas são realmente politizadas, mas existem muitas bandeiras do MPLA pelas ruas de Luanda. E também já notei muita gente com bonés e camisetas desse partido, no poder desde a independência, em 1975.

Até agora só vi um homem com uma camiseta da Unita. Talvez porque a liberdade de expressão ainda não seja uma conquista consolidada. (É por isso que assinamos com iniciais este blog. Atenção, amigos: na hora de deixar comentários, evitem citar nossos nomes.)

sexta-feira, 14 de março de 2008

Contradições da musseque

O Humvee é um carro de transporte padrão dos exército dos Estados Unidos. Um jipe desses, todo equipado, pode custar até 200 mil dólares. Ele é uma variação do Hummer, o jipe militar usado na primeira guerra do Golfo. É um carro tão exclusivo que, quando a versão comercial foi lançada, um dos poucos brasileiros que se aventurou a comprá-lo foi o atacante Romário. Pois esta tarde, quando chegávamos à nossa casa na musseque, demos de cara com um Humvee saindo da estreita rua de barro. Na mesma musseque onde estamos há dois dias sem energia suficiente para movimentar a bomba que garante água nos encanamentos.

quinta-feira, 13 de março de 2008

A superpopulação

Luanda tem certamente a maior concentração de pessoas por metro quadrado do mundo. Dos cerca de 8 milhões de habitantes do país, mais de 6 vivem na capital. Vieram durante a longa guerra civil que só terminou em 2002. É que enquanto o exército da UNITA (oposição) ia tomando as províncias, o MPLA (governo) garantia o caminho livre para a capital, dominada por ele. Assim Luanda passou a receber todos os dias multidões de angolanos vindos de todos os cantos do país.

Em algum lugar eles tinham que morar. E assim foram ocupando todos os espaços que estavam dando sopa. Terrenos, parques, calçadas, prédios em construção e até, pasmem, a praia! Fizeram seus acampamentos e aos poucos foram erguendo paredes, abrindo portas e janelas, instalando suas parabólicas, delimitando seu pedacinho privado no espaço público. E assim vivemos hoje em meio a um mar de telhados de zinco, chamados de musseques. Não tem por onde escapar. Como diz o F., favela na praia é algo que não deve existir em nenhum outro lugar do mundo.

Dizem que muitos aguardam as eleições (previstas para setembro) para ver se a paz é mesmo de verdade e voltar para suas províncias. Eu pessoalmente acho difícil... A capital pulsa freneticamente, impulsionada por um crescimento desembestado. E seduz a todos com os luxos e os lixos do mundo globalizado que desembarcam diariamente na sua baía sedenta.

São Paulo de Luanda

Luanda nasceu no mesmo dia em que São Paulo, 25 de janeiro, só que 21 anos depois. Por isso os portugueses a batizaram, em 1575, como São Paulo de Luanda. O nome não poderia ser mais apropriado. Como a metrópole brasileira, a capital angolana sofre com a superpopulação e com o excesso de carros. Por mais difícil que lhe possa parecer, acredite: aqui o trânsito é muito, mas muito pior que o da capital paulista.

O problema começa pela ausência de transporte público. Praticamente não existem ônibus oficiais. O serviço é prestado pelos candongueiros – vans pintadas de azul e branco que transitam numa velocidade muito maior do que se poderia esperar do estado de conservação que apresentam. Os candongueiros também são chamados de táxis, porque aqui não existem táxis como nas outras cidades.

A alternativa aos candongueiros são os gira-bairro, ou mini-táxis. Carros particulares pequenos que levam até quatro passageiros por percursos fixos. Paga-se 50 kwanzas (66 centavos de dólar) por pessoa, independentemente do trajeto, tanto nos gira-bairro quanto nos candongueiros.

A quem tem um pouco mais de dinheiro, só resta comprar um carro. E assim, milhares deles tentam circular pelas ruas estreitas da cidade, onde – salvo raras exceções – não existem sinais de trânsito nos cruzamentos.

Não ajuda em nada o péssimo hábito do motorista angolano de estacionar onde lhe dá na telha. A desculpa, de que não há parques (como eles chamam o estacionamento) suficientes, é genuína. Mas não justifica as filas duplas atrás dos carros em 45 graus, tornando as ruas ainda mais estreitas e fechando as calçadas, o que obriga os pedestres e disputar espaço com os veículos no asfalto.

Para piorar tudo, a cidade está em obras. Numa olhada rápida a partir da ilha, consegui contar 12 gruas gigantescas de guindastes. Isso significa ruas interditadas e sem calçada.

O resultado desse caldeirão: ninguém se desloca de carro em Luanda sem gastar, no mínimo, 45 minutos entre um ponto e outro. Isso se os sítios forem bem próximos, que fique bem entendido. Os moradores de Luanda Sul, o novo bairro de condomínios fechados construído ao sul da capital, levam diariamente duas horas para cobrir os poucos mais de 20 quilômetros até o centro. Contados no relógio.

É de causar inveja a São Paulo.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Nosso castelo na musseque




A vizinhança da casa em que estamos, na Ilha, é das mais animadas. Moramos numa travessa da Avenida Mutala Mohamed – a única da Ilha de Luanda –, numa área que os angolanos chamam de Vaidade. Aqui moram muitas famílias cheias de filhos e todos saem às ruas, mal amanhece o dia. Como as casas são muito pequenas, aproveitam o espaço público da rua para se divertir e fazer negócios.
Na frente de cada casa, as mulheres vendem frutas, verduras, doces, pães e toda sorte de mercadorias, expostas em tabuleiros de madeira. Quando escurece, os vendedores fazem brasa com carvão em latões e fritam galinha, assam espetinhos de carne, tudo para levantar algum dinheiro a mais. Todo mundo fala bem alto o tempo todo.
A rua é de terra e vive constantemente molhada. Minha intuição diz que é esgoto, mas também pode ser uma estratégia das donas das casas para evitar o poeirão que os carros levantariam na terra seca. Sim, passam muitos carros o tempo todo, apesar de a rua ser estreita. As casas na musseque podem ser simples, cubatas, como eles chamam aqui, mas todos têm o seu carrinho – e muitas vezes, um carrão. Não deixa de ser engraçado ver todos esses barracos com antena de TV a cabo e aparelhos de ar-condicionado nos telhados de folhas de zinco.
A musseque, pra quem ainda não sabe, é o nome local para o que, no Brasil, chamamos de favela. Mas ninguém precisa ficar alarmado. Nossa musseque não tem crime organizado, malaco de fuzil, nada disso. Aqui moram famílias de bem, muitas delas com dinheiro. Com a inflação do mercado imobiliário, é muito comum uma família que tem um apartamento na cidade alugá-lo por preços altíssimos e se mudar para uma cubata. Ganha assim o dinheiro do aluguel. Por isso, nossa musseque é bem segura, sem problema algum.

terça-feira, 11 de março de 2008

A cidade mais cara do mundo

Imagine o pior condomínio que você já viu na vida. Agora tire dele o elevador e transforme o vão num depósito de lixo. Arranque os corrimãos das paredes das escadas e cubra-as com uma cor encardida e com centenas de garranchos pichados de alto a baixo. No hall de entrada, espalhe alguns ambulantes, pedintes, gente esquisita ali, assim, parada, sem nada pra fazer. E no quintal do fundo, entre os geradores trancados em gaiolas, espalhe um pouco de água suja, com toda pinta de esgoto.

Se conseguir completar esse exercício, você estará imaginando um prédio comum de Luanda.

Na primeira tentativa de encontrar a definitiva Casa de Luanda deparei-me com pequenas sucursais africanas do inferno de Dante. Prédios com áreas comuns completamente destruídas, cujos moradores se trancam atrás de portões de ferro com cadeados gigantescos. No primeiro em que entrei, uma família de umas doze pessoas habitava um apartamento de dois quartos. Até a antiga varanda tinha virado um quarto extra. Por dentro, a habitação era antiga, até precisando de reparos, mas um luxo perto da decadência da área externa. Recusei de cara a oferta de alugá-la por USD 2 mil mensais.

Não há nenhum engano, não. O valor é esse mesmo, por um apartamento decadente num prédio destruído. Com a escassez de moradias, os preços estão loucos, o que faz de Luanda hoje a cidade mais cara do mundo. Mais do que Tóquio e do que Londres.

Seguimos adiante para novas propostas indecorosas em outros edifícios ainda piores. Queixei-me ao corretor de que precisava de um edifício um pouco melhor.

– Ah pá patrão, prédio em Luanda é isso aí mesmo. O senhor não vai encontrar nada arrumadinho não.

A quarta unidade a que me levaram era um apartamento até bom. Quarto e sala amplos, cozinha bem arranjada, casa de banhos, varanda, tudo razoavelmente conservado. Com guarda-fatos grande num dos corredores, por USD 2 mil. A área comum, porém, era o mesmo descalabro. Comentei com a moradora vizinha, que tinha a chave da unidade, sobre esse problema.

– Cá em Angola é assim: a gente toda preocupa-se em conservar as unidades. Ninguém se une pelo prédio. E olha que neste edifício ainda pagamos 200 kwanzas (quase USD 3) cada morador para ter um rapaz que varre a escada.

Não deixa de ser uma enorme ironia, a ausência desse sentimento de comunidade num país cujo estado se pretende marxista.

Bom, não preciso nem dizer, a minha busca continua.

Acesso à internet

Respondendo à querida Anna V., o acesso à internet aqui não é dos mais problemáticos. Existem cybercafés por toda a parte, inclusive nas musseques (como eles chamam as favelas). A questão é que nem sempre as conexões são velozes, mas não adianta ter pressa. Os adolescentes locais passam horas sentados nos computadores. Gastam o tempo em chats, messengers, orkut etc. Não é muito fácil conseguir uma vaga.
Assim que tivermos casa fixa, poderemos optar por uma conexão de internet via ondas curtas, que inclui o sinal da TV a cabo (400 USD o trimestre), ou adotar um sistema via celular, com placa modem adaptada ao notebook (cerca de 120 USD por mês, pelo que nos disseram). Acho que, se tivermos televisão, vou optar pelo primeiro para poder assisitir aos jogos de futebol do Brasil pela Globo Internacional.

domingo, 9 de março de 2008

A Casa (da Ilha) de Luanda

Depois de duas noites em aviões, três aeroportos e um dia inteiro parado em Lisboa, a Casa de Luanda começou. Ainda é provisória, é verdade, mas nos deu as boas-vindas mostrando que os boatos sobre a infra-estrutura na capital angolana são verdadeiros. O primeiro banho, depois de 48 horas de viagem, foi de balde. Sem energia elétrica, a bomba não funciona e, sem ela, não há água nos canos. Enchemos o balde numa cisterna que se acessa por um buraco no chão da cozinha. A energia voltou à noite.
É uma casa branca, com quatro andares – se considerarmos a laje, transformada em área de lazer –, três quartos, cozinha e sala de estar. Na garagem ficam o gerador, acionado à noite quando a energia não volta, e a bomba de água. Estamos instalados na Ilha de Luanda, uma península na entrada do porto. A Oeste fica o Oceano Atlântico; a Leste, a Baía de Luanda, repleta de navios que aguardam vaga para atracar. A cidade propriamente dita está do outro lado da baía. Da varanda da casa, temos as duas vistas.
Apesar de agradável, este não será nosso lar definitivo. Estamos hospedados aqui até encontrarmos uma moradia definitiva, o que pelo jeito não será fácil. O déficit habitacional é imenso em Luanda, onde vivem – segundo estatísticas não confirmadas – 6,5 milhões de pessoas. Isso num país com 8 milhões de habitantes. Encontrar a nova Casa de Luanda será nosso desafio a partir de amanhã.